URUBUS DA TRAGÉDIA PRENUNCIAM DEVATE

VALOR ECONÔMICO – 9.5.24 – Maria Cristina Fernandes

Acorre à tragédia gaúcha uma multiplicidade de explicações, não-excludentes: chuva sem precedentes na história, exploração agrícola que, há séculos, devasta a vegetação que poderia reter a chuva, sistema de prevenção de enchentes deixado à míngua e uma legislação ambiental destroçada pelos poderes locais e por uma bancada de parlamentares que capitaneia o negacionismo climático no país. Nenhuma das explicações pode ser negligenciada na reconstrução do Estado e na chamada à responsabilidade de gestores e parlamentares num jogo em que todos os pontos estão ligados. A cada centavo que se tira dos cuidados acumulam-se prejuízos humanos e materiais no futuro.

Da companhia que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fizeram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sua segunda visita ao Estado, surgiram duas iniciativas – uma boa, a PEC para remanejar 5% da verba de emendas individuais para a prevenção de catástrofes ambientais na Câmara, e uma ruim, o “orçamento de guerra”, que brotou no Senado e, antes de ser abortado, ameaçava dar carona a gastos em nada relacionados à tragédia gaúcha.

Os urubus da tragédia vão dos ladrões que saquearam casas abandonadas até parlamentares que pretendiam estender a todo o país o socorro a agricultores vitimados no Estado, passando por desmatadores que não se inibiram com o ocorrido. O senador Plínio Valério (PSDB-AM), que presidiu a CPI das ONGs, achou por bem prestar homenagem às vítimas defendendo mais desmatamento na Amazônia, região vital contra o desequilíbrio climático do planeta. Subiu à tribuna para atacar a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, por sua oposição à BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. “Fui eleito para defender minha gente, que pisa em ouro mas dorme ao relento”, respondeu, ao ser indagado sobre seu interesse na exploração mineral na região.

Os urubus também estão pousados nas redes sociais, seja para atrapalhar as doações, como o fizeram com a campanha de Felipe Neto, seja para minar os esforços estatais. O influenciador empreendeu campanha de arrecadação de fundos para a compra de purificadores capazes de transformar em potável a água de enchente. Ilhados, milhares de gaúchos têm sido obrigados a escolher entre morrer de sede ou de água contaminada. Pois o influenciador foi acusado de recolher dinheiro para si, a ponto de os bancos soltarem um alerta de suspeição nas tentativas de Pix na conta indicada.

Já o bombardeio sobre a ajuda estatal envolveu parlamentares que não se importaram em deixar sua digital na exploração da tragédia. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) compartilhou a “denúncia” de que havia corpos de bebês boiando porque pilotos de lanchas estavam sendo impedidos de fazer resgate sem apresentar documentação.

O filho do ex-presidente compartilhou esta “denúncia” de Washington, onde esteve para participar de audiência no Congresso americano, convocada por deputado trumpista, que discutiu a “crise da democracia no Brasil”. Estava acompanhado de outros dois deputados do PL, Nikolas Ferreira (MG) e Gustavo Geyer (GO). Todos compartilhavam notícias falsas sobre a enchente gaúcha à distância enquanto prestavam solidariedade presencial a Paulo Figueiredo, neto do último presidente da ditadura, hoje investigado no Supremo.

Nenhum ataque, porém, repercutiu tanto quanto a “denúncia” de que o governo federal havia rejeitado oferta de aviões do Uruguai. A reportagem da “Folha de S.Paulo” explicava que a recusa havia se dado em função da inexistência de pistas de pouso para o tipo de aeronave oferecida, mas, como costuma acontecer nas redes, “viralizou” o título sobre a recusa. O quiproquó obrigou o governo a soltar nota sobre a recusa, informando ter aceito helicópteros por terem menor exigência para o pouso.

Esta guerrilha digital sinaliza que o embate político em torno da tragédia mal começou. Pesquisa Genial/Quaest, cujas entrevistas foram colhidas entre as duas visitas do presidente Luiz Inacio Lula da Silva ao Estado, mostra que a região Sul foi a única em que a aprovação do governo subiu. A segunda notícia positiva mais lembrada pelos entrevistados foi a ajuda aos gaúchos, o que sugere uma correlação entre os fatos.

Esta aprovação mostra que o foco na tragédia – e não na disputa política – é o que se quer. Por isso, ao verbalizar crítica a deputado bolsonarista posando para as redes em jet ski ou ao descaso de seu antecessor com as vítimas de enchente na Bahia, Lula vai na contramão. Manoel Fernandes, da empresa de monitoramento digital Bites, diz que foi a primeira vez em que o governo sai em vantagem nas redes, mas corre o risco de desperdiçar esta aprovação. Muito mais consequente do que brigar com bolsonarista seria uma campanha mundial contra a ameaça climática nos moldes daquela que Lula empreendeu pela fome no primeiro mandato.

As previsões mais otimistas são de que a recuperação do Estado leve quatro anos, tempo suficiente para que bandos de urubus se renovem. Saques em supermercados são um alerta da fome que ameaça os ilhados. As doenças da enchente ainda estão por ser mapeadas. Dificuldades inerentes à reconstrução vão colocar em xeque muitos dos esforços empreendidos. Catástrofes tanto podem fazer com que a solidariedade invada a política quanto permitir que o oportunismo da extrema direita se locuplete. É uma escolha.

CATÁSTROFE NO SUL ESCANCARA DESPREPARO DIANTE DA CRISE CLIMÁTICA

OG – 9.5.24 – MALU GASPAR

Já faz um tempo que virou moda usar a emergência climática para fazer marketing. Empresas gastam fortunas com relatórios e consultorias que atestem sua responsabilidade ambiental e social, colocando o aposto “verde” em seus produtos sempre que podem — e também quando não podem.

Declarar engajamento na preservação do meio ambiente é obrigatório para quase todos os políticos, inclusive os que trabalham pela destruição. As conferências mundiais sobre o tema se tornaram grandes eventos midiáticos para os quais se enviam caravanas.

Só o Brasil mandou no ano passado a Dubai, para a Conferência do Clima da ONU, 69 deputados, 16 senadores e 12 governadores, que participaram de seminários e painéis de alto nível sobre como salvar a Terra do aquecimento. Tudo fotografado, documentado e disseminado nas redes sociais, como atestado de virtude.

Não que esse tipo de reunião não seja importante. Encontrar soluções para tentar conter os danos das tragédias climáticas e ambientais é urgente e só acontecerá com a troca de experiências e a adoção de uma nova concertação global.

A cada desastre, porém, esse teatro fica ainda mais desmoralizado. Países assinam compromissos com metas sabendo que dificilmente as cumprirão. Candidatos a presidente prometem iniciativas para conter a mudança que muito provavelmente não implementarão. E a primeira verba que governadores e prefeitos sacrificam quando precisam fazer cortes é a de prevenção a desastres ambientais.

Por isso faz todo o sentido chamar os políticos à responsabilidade diante de uma catástrofe como a do Rio Grande do Sul. Só não faz sentido acreditar que a cobrança e os ataques sejam suficientes para fazê-los mudar de atitude.

Já aconteceu depois dos temporais que varreram a Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011, deixando 918 mortos. Dois anos depois, quando as chuvas mataram mais de 40 pessoas em Minas Gerais e no Espírito Santo. Em 2015 e 2019, após o estouro das barragens de Mariana (MG) e Brumadinho (MG), que deixou ao todo 289 vítimas fatais.

Ou em fevereiro de 2023, quando as chuvas devastaram São Sebastião, no Litoral Norte paulista, vitimando 65 pessoas. E assim chegamos ao Rio Grande do Sul, onde já pereceram mais de cem pessoas e onde vem se revelando o mesmo enredo de relaxamento de leis ambientais e fiscalização, falhas de manutenção e falta de investimento na prevenção.

Os temporais, que começaram em 27 de abril, ganharam força no dia 29 e já afetaram mais de 873 mil pessoas em território gaúcho, de acordo com o último boletim da Defesa Civil.

Há outra razão por que a pressão sobre as autoridades, por maior que seja, corre sério risco de ser inócua: o flagrante despreparo para catástrofes de magnitude cada vez maior.

Se a prevenção já não funciona quando se conhecem as soluções — como planos de contenção de encostas, esquemas de alerta e remoção da população de áreas de risco —, pior fica quando se está diante de fenômenos de escala inédita e efeitos inesperados.

Esse é um dos fatores que parecem agravar a situação no Sul e que tem sido cada vez mais preponderante nas tragédias registradas ao redor do mundo.

Desde que as águas tomaram Porto Alegre, ficou claro que o esquema de contenção de enchentes montado em torno da cidade estava obsoleto, tinha falhas de manutenção, e isso exacerbou os efeitos da calamidade. Mas, se operasse de forma impecável, teria resistido a enchente tão avassaladora?

Parte das 23 bombas instaladas para lançar a água da chuva para fora do perímetro da cidade não funcionou porque estava sobrecarregada. Se elas fossem maiores ou mais potentes, adiantaria bombear água de volta ao aguaceiro?

Em 2022, quando as chuvas inundaram dois terços do território do Paquistão e mataram mais de 1,7 mil pessoas, o sistema de drenagem não fez muita diferença porque não havia para onde drenar a água, tamanha a escala da inundação.

O fato de não existirem instrumentos para impedir catástrofes de dimensão tão gigantesca introduziu um complicador a mais numa crise que já era grave. As chuvas do Rio Grande do Sul sucederam uma estiagem severa e mais de dez ciclones extratropicais apenas em 2023.

Certamente haverá muito debate sobre o caso do Sul nos próximos anos, assim como uma necessária revisão dos planos de prevenção, de resgate e de acolhimento às vítimas.

O que mais preocupa, porém, é constatar que o tamanho das calamidades tem crescido na mesma medida do oba-oba em torno da questão climática, sem que haja solução viável para os desafios que a nova realidade nos impõe. O que evidentemente não isenta os governantes de responsabilidade. Pelo contrário, só expõe a dimensão do nosso despreparo.

CHUVAS NO RS: 70% ACREDITAM QUE TRAGÉDIA PODERIA SER EVITADA E 68% RESPONSABILIZAM GOVERNO ESTADUAL

OG – 9.5.24

Para sete em cada dez brasileiros, a tragédia que acomete o estado do Rio Grande do Sul há mais de uma semana poderia ter sido evitada se algo fosse feito pelos governos locais, segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quinta-feira. Para 68% dos entrevistados, o governo do estado tem a maior responsabilidade sobre a calamidade que assola o estado há mais de uma semana.

As chuvas que inundam o estado desde o começo da semana passada já deixaram 100 mortos e 130 desaparecidos, enquanto pouco mais de 1,4 milhão de pessoas foram atingidas em decorrência dos temporais e das enchentes, segundo atualização divulgada pela Defesa Civil estadual na noite desta quarta-feira. Para nove em cada dez entrevistados, a calamidade enfrentada no Rio Grande do Sul é muito grave, enquanto apenas 1% não vê gravidade no que ocorre no estado.

Para os entrevistados, o principal ente a ser responsabilizado pela tragédia é o governo estadual (68%), seguido pelas prefeituras (64%) e pelo governo federal (59%), que desde a semana passada vem disponibilizando apoio das Forças Armadas para ajudar no resgate de vítimas. Há ainda outras medidas anunciadas por ministérios do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como a antecipação de folgas e férias a servidores, e facilitação no repasse de doações ao estado.

As piores enchentes já registradas no estado, em graus mais agudos que as inundações vividas no estado em 1941, são atribuídas totalmente às mudanças climáticas por 64% dos brasileiros. Já para 30%, é apenas uma das causas. Para 1%, não há ligação nenhuma.

Na avaliação de 58% dos brasileiros, há a percepção que as mudanças climáticas estão acontecendo por intervenção humana, uma queda de 15 pontos percentuais ante o último levantamento, feito em dezembro de 2023. Por outro lado, a parcela que atribui os efeitos das mudanças climáticas também a outros fatores subiu de 7% para 27% nesta edição da pesquisa, em comparação com a anterior.

A pesquisa ouviu presencialmente 2.045 pessoas de 16 anos ou mais em todos os estados do país. O intervalo de confiança da pesquisa é de 95%, e a margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.

MESMO APÓS ABERTURA DE INVESTIGAÇÃO, GOVERNADOR DE SC POSTA FAKE NEWS SOBRE TRAGÉDIA

OG – 9.5.24

O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL-S), publicou um vídeo em que afirma que caminhões de suprimentos advindos do seu estado com destino ao Rio Grande do Sul foram barrados e multados em postos de fiscalização nas estradas. No post desta quarta-feira, o político apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro classificou o episódio como “vergonhoso”. A informação, no entanto, foi desmentida ontem pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Por conta de alegações parecidas, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) e o influenciador Pablo Marçal foram incluídos em uma lista de propagadores de “fake news”, enviada pelo Palácio do Planalto para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

Em vídeo postado no Instagram e no X (antigo Twitter), o governador aparece ao lado de um servidor da Defesa Civil de Florianópolis que teria sido parado em um dos pontos de pesagem de veículos na estrada. De acordo com o governador bolsonarista, o agente público foi multado duas vezes nessa ocasião, sendo a primeira por excesso de mercadoria e a segunda por não ter aceitado pagar o valor cobrado pelo pedágio, antes de poder prosseguir até o seu destino final.

“Quero fazer essa manifestação: a ANTT precisa revisar urgentemente os seus procedimentos. Não é fake news, é um absurdo o que está ocorrendo. Acho que a pessoa tem que ter discernimento, quem está nesses postos, para ver como isso aconteceu”, diz Jorginho no vídeo.

Em nota publicada ontem, a ANTT negou reter veículos de carga nas vias de acesso ao estado gaúcho durante o período da tragédia. O órgão também esclareceu que os caminhões que transitam nas rodovias que acessam o estado passam por um procedimento simplificado de fiscalização e são liberados para seguir viagem. A agência também afirmou que não há solicitação de nota fiscal e nem aplicação de multas sobre veículos que transportam doações.

Investigações por fake news sobre o Rio Grande do Sul

Em publicações semelhantes feitas em nas redes sociais, o influenciador Pablo Marçal teria alegado anteriormente que a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul estava barrando os caminhões de doação, impedindo a distribuição de comida e marmitas. A mesma informação foi repetida pelo senador Cleitinho Azevedo. Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro criticou a ajuda do governo federal ao RS, ao mencionar que os reforços teriam demorado quatro dias para chegar até a região.

Os nomes desses políticos e do influenciador foram incluídos em uma lista de responsáveis por postagens apontadas pelo Palácio do Planalto como “fake news”. Após identificar os conteúdos falsos, o governo enviou um ofício ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, com um pedido de investigação sobre possíveis “crimes” cometidos pelos autores. Nesta quarta-feira, a Polícia Federal instaurou inquérito para investigar o caso.

De acordo com a colunista Bela Megale, a Advocacia-Geral da União (AGU) também teria apresentado uma ação judicial para ter o direito de resposta diante de publicações falsas feitas por Pablo Marçal sobre as enchentes.

CRISE GAÚCHA E A NEGAÇÃO DA CIÊNCIA

OG – 9.5.24 – MÍRIAM LEITÃO

A economia do Rio Grande do Sul deverá sentir os efeitos dessa inundação por muito tempo, mesmo depois de superado o pior da tragédia. É uma economia que enfrentou crises climáticas em três dos últimos cinco anos. Pelo fato de ter acontecido em maio, a perda imediata será menor porque atinge os 20% da safra não colhida, mas a perda de capital é mais difícil de superar. Para a economia do país é uma nova complicação, num quadro já complexo. O Banco Central ontem reduziu o ritmo do corte dos juros, em parte pelo aumento das pressões por mais gasto público, mas deu a impressão de estar dividido politicamente.

As perdas humanas são irreparáveis e a dor dos gaúchos comove o país. As cenas estarrecedoras do quase naufrágio de um estado inteiro, e os relatos das pessoas sem água potável no meio de uma inundação lembram todos os cenários dramáticos que os cientistas vêm descrevendo há anos. O pior é saber que no Congresso brasileiro aumentou o ritmo da marcha pela destruição ambiental dos biomas brasileiros. O Observatório do Clima fez uma lista de 21 projetos lesivos ao meio ambiente que avançam no Congresso.

Um deles tem o potencial de desmatamento 30 vezes maior do que o que ocorreu no ano passado. Outro, se aprovado, significará o desmatamento de 32% do Pampa. E é de autoria de um deputado do Rio Grande do Sul, Lucas Redecker.

— Se durante o governo Bolsonaro havia quatro ou cinco projetos em situação de aprovação iminente, agora isso saltou para 20. O que significa isso? A agenda que era de Bolsonaro atravessou a rua e agora está no Congresso — diz Marcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima.

Ontem, não foi votado na CCJ do Senado o relatório do senador Marcio Bittar favorável ao projeto do senador Jaime Bagattoli que permite a redução da reserva legal na Amazônia nos municípios onde houver 50% do território de áreas protegidas. Bittar está de licença médica. Só por isso esse projeto não avançou. Mas ele é demolidor, segundo nota técnica do MMA. Bittar já havia apresentado em 2019, junto com o senador Flávio Bolsonaro, um projeto (que não prosperou) ainda mais radical: simplesmente acabava com a reserva legal.

Quem nega a ciência contrata a morte. Os defensores desses projetos de ataque aos biomas são negacionistas. Eles estão decidindo, por nós, que o país deve correr o risco do desequilíbrio ambiental, como o que faz com que o Rio Grande do Sul viva esses dias terríveis. O estado começou o ano passado na seca, terminou inundado, e agora enfrenta a segunda grande enchente em poucos meses. Os negacionistas decidem também que o país pode continuar destruindo a Amazônia, mesmo com a grande seca vivida pelos rios da região. O país inteiro tem sinais evidentes de distúrbio no clima, mas a marcha da destruição continua.

No curtíssimo prazo é preciso socorrer os gaúchos com todo o tipo de ajuda, da voluntária à governamental. É uma emergência social e climática. No médio prazo terá que haver um plano para a economia gaúcha, mas não será fácil. O estado tem sido castigado sucessivamente.

— O estrago vai deixar uma marca importante. O que eu acho preocupante é o efeito de longo prazo. A economia gaúcha é madura, com um setor agropecuário de relevância, mas que tem enfrentado uma sequência longa de desastres. Há claramente uma destruição do equipamento físico muito relevante, uma perda de capital recorrente muito difícil de ser recomposta. Principalmente em uma área onde há tanta propriedade menor, e empreendimentos familiares — avalia o economista José Roberto Mendonça de Barros.

Na economia brasileira como um todo haverá uma perda de PIB, mas não forte, e um aumento de pelo menos 0,1 ponto percentual no IPCA com a queda da produção gaúcha. A ajuda ao Rio Grande do Sul que deve ocorrer e ser célere, mas não pode ser vista como uma porta para mais gastos em outras áreas ou outros estados.

A redução da queda dos juros foi um sinal ruim por dois motivos. Os juros de 10,5% são muito altos e a diretoria ficou dividida entre quem foi indicado por Bolsonaro, e quem foi escolhido pelo presidente Lula. Mas isso é apenas um ruído imediato, que pode ser superado. Resgatar os gaúchos dessa crise é problema mais grave, e que fica mais difícil diante de um Congresso insensível a todos os sinais do clima e incapaz de ouvir a ciência.

BLOQUEIO DE PASSAGEM DE RAFAH POR ISRAEL DEIXA DOENTES DE GAZA SEM ACESSO A TRATAMENTO HOSPITALAR NO EGITO

OG – 8.5.24

fechamento da passagem de fronteira de Rafah pelas Forças Armadas israelenses nesta terça-feira deixou presos, no sul de Gaza, 46 doentes e feridos que deveriam receber tratamento médico no Egito, enquanto os combates aconteciam nas proximidades, disseram as autoridades de saúde do enclave, controlado pelo grupo terrorista Hamas.

Os pacientes sofrem de uma série de doenças graves, incluindo diversas formas de câncer, disse o Ministério da Saúde de Gaza. Entre eles está Aseel Warsh-Agha, 16 anos, que deveria viajar ao Egito para uma cirurgia para tratar queimaduras de terceiro grau que deixaram grande parte de sua pele com grandes cicatrizes, disse seu tio em uma entrevista.

A família dela comemorou na noite de segunda-feira após o anúncio do Hamas de que havia aceitado os termos de uma proposta de cessar-fogo, disse o tio, Ahmed Warsh-Agha. Israel disse que não aceitaria esses termos e, na manhã desta terça, a família acordou com a notícia de que o Exército israelense tinha iniciado uma incursão no sul de Gaza e tomado a passagem de Rafah.

— Ficamos acordados até tarde comemorando e conversando sobre o futuro após o fim desta guerra — disse Warsh-Agha. — Tínhamos tudo pronto para ela atravessar.

Aseel foi queimada por gordura de cozinha há três anos e viajou duas vezes ao Egito para uma cirurgia, disse seu tio. Outra operação estava marcada para o outono passado (Hemisfério Norte) e a família esperava que fosse a última, mas foi adiada por causa da guerra. Sua família esperava que ela cruzasse para o Egito nesta terça-feira para o procedimento.

Durante a primeira semana da guerra, em outubro passado, ataques aéreos israelenses destruíram a casa de Aseel em Beit Lahia, no norte de Gaza, e mataram mais de 30 dos seus familiares, disse o tio. Desde então, a família vive numa tenda em al-Mawasi, no sul de Gaza.

Aseel recebeu a notícia do fechamento da fronteira na terça-feira com resignação, disse Warsh-Agha.

— Ela já perdeu muitos familiares e amigos, a casa da família e a escola — disse ele.

Esta é a primeira vez que o Exército de Israel entrou nessa parte de Gaza desde o início da guerra com o Hamas, iniciada em 7 de outubro. Funcionários palestinos disseram que todo o fluxo de ajuda do Egito para Gaza parou depois da tomada de controle da passagem de Rafah, com a ONU alertando que a crise humanitária no território pode piorar, já que Israel já havia fechado a passagem de Kerem Shalom após a morte de quatro soldados em um ataque no domingo — as duas são as principais rotas para entrada de suprimentos no em Gaza.

A ofensiva israelense foi lançada contra Rafah um dia após o Exército do país emitir alertas para que a população civil deixasse setores da cidade, antecipando que uma invasão terrestre estava em preparação. Os militares estimaram que cerca de 100 mil pessoas seriam afetadas pelo aviso do que chamaram de “deslocamento temporário”, mas fontes palestinas falam em um número superior a 200 mil pessoas.

Para a comunidade internacional, a operação militar contra Rafah é considerada preocupante pela grande quantidade de civis. Antes da guerra Israel x Hamas, Rafah abrigava 250 mil pessoas em seus 65 km², população que aumentou para quase 1,5 milhão — mais da metade dos 2,3 milhões habitantes do enclave — com o deslocamento forçado pelo conflito.

O comando militar israelense garante que os últimos batalhões operacionais do Hamas estão escondidos na região, enquanto líderes estrangeiros, incluindo aliados como o presidente americano, Joe Bidencriticaram a medida apontando o risco de a ação se converter em uma catástrofe humanitária. (Com AFP.)

PMs DE RORAIMA FORMARAM MILÍCIA E GRUPO DE EXTERMÍNIO PARA PROTEGER E ROUBAR GARIMPEIROS

OG – 8.5.24

Investigações das Polícias Civil e Federal apontam para uma organização criminosa formada por agentes da Polícia Militar de Roraima acusados de cometerem diversos crimes e atuarem como milícia privada no estado. A fim de intimidar invasores que extraem ilegalmente ouro e cassiterita na Terra Indígena Yanomami, o grupo pratica extorsão e roubo de toneladas de minérios para ficar com o lucro, além de vender proteção e armamentos aos garimpeiros. No total, O GLOBO apurou, mais de 40 policiais militares estariam envolvidos em diversos atos ilícitos. Entre os citados por testemunhas ouvidas pelas autoridades, está o atual Comandante-Geral da PM-RR, Miramilton Goiano de Souza. Em nota, o coronel Miramilton diz que as suspeitas “são inverídicas, sem fundamentos e não se sustentam quando colocadas diante dos mais de 34 anos na corporação”.

Documentos obtidos pelo GLOBO revelam que policiais da ativa se uniram a criminosos para realizarem roubos, extorsões, torturas e execuções de garimpeiros, além de assassinatos sob encomenda ligados à disputa por terras no estado. O esquema ainda oferece, de acordo com as investigações, serviços de segurança, escolta e munições a outros grupos de invasores que trabalham no garimpo, além de coletes à prova de bala. As autoridades também apuram a participação dos integrantes do bando no transporte de cocaína na fronteira com Venezuela e Colômbia por meio de aeronaves.

As investigações sobre a constituição de milícia por parte de policiais militares tiveram início em setembro de 2022, quando oficiais da ativa participaram de uma desastrada tentativa de roubo de um avião, usado em viagens para garimpos localizados na terra indígena e de propriedade de Efraim Hadan Abreu da Silva, o “Smith”, segundo aponta o inquérito de número 3027/2022, com 1.006 páginas, da Polícia Civil de Roraima, ao qual O GLOBO teve acesso.

Mascarados e vestidos de preto, seis homens armados renderam os pais de “Smith” e outras quatro pessoas, no sítio Novo Paraíso, zona rural de Boa Vista, onde funciona uma pista de pouso. Os criminosos se apresentaram às vítimas rendidas como PMs do Batalhão de Operações Especiais (BOPE).  Entre eles, estava Carlos Nascimento de Melo, descrito no inquérito como um dos responsáveis por recrutar policiais militares para atuar na segurança privada de garimpos ilegais. De acordo com “Smith”, Carlos Nascimento “teria sido apresentado e recomendado pelo coronel Miramilton”.

“Smith” diz em seu depoimento que ficou descontente com o “serviço precário” de Carlos Nascimento e tentou dispensá-lo. Uma dívida de R$ 80 mil entre os dois teria, no entanto, motivado a tentativa de roubo da aeronave. Na tentativa de decolar com o avião, uma das asas bateu na cabeça do soldado Ismael Palmeira da Silva, que tentava ajudar os ladrões iluminando a pista. O avião acabou por se chocar contra uma cajueiro. Ismael morreu no local e foi deixado para trás pelos comparsas. A morte do soldado deu início  às investigações da Polícia Civil.

“Smith” contou aos investigadores que buscou os serviços de Carlos Nascimento após ter uma pistola Glock 45, R$ 3 mil em espécie e um carregamento de 2,5 toneladas de cassiterita, acondicionado em sacos de 50 quilos, roubados da residência do seu pai por um grupo vestido com coletes e roupas táticas policiais. “Smith”, que se apresenta como piloto de avião do garimpo, afirma que o minério não era seu , mas sim de Nilsinho de Jesus , ex-vereador de Ariquemes, em Rondônia. Ameaçado por Nilsinho, que não teria acreditado no roubo, recorreu aos serviços de segurança de Carlos Nascimento.

“Smith” e Nilsinho de Jesus não responderam aos contatos da reportagem.

Da cassiterita se extrai o estanho, também chamada de “ouro negro”, em alta no mercado por conta de sua utilidade para produzir ligas com alta resistência à ferrugem, além de compor acabamentos de veículos, vidros e tela de celulares.

Outros depoimentos de testemunhas ao longo das investigações envolvem “um militar de alta patente”, que seria o responsável por garantir o fornecimento de munições, armas e coletes, além de liberar policiais militares do serviço para trabalhos de segurança privada. O GLOBO apurou que o militar citado nos depoimentos e nas investigações em curso é o coronel Miramilton. As testemunhas entraram para o serviço de proteção.

A arma roubada na casa do pai de “Smith” foi localizada por Carlos Nascimento em posse do policial penal Alyson Santana, suspeito no caso e acusado de tentativa de homicídio, ameaça e violência doméstica. Segundo as investigações, Santana seria um dos nomes por trás de um grupo responsável por roubar garimpeiros. Por meio de nota, a PM disse ter aberto um procedimento interno para apurar a presença de um agente no bando. Uma outra sindicância foi iniciada para investigar o envolvimento de PMs na tentativa de roubo da aeronave.

O GLOBO apurou que Carlos Nascimento se encontra foragido na Colômbia. Procurado, seu advogado afirmou não existirem “elementos concretos” de envolvimento no episódio que culminou na morte do soldado Ismael. Ele também negou que Carlos Nascimento realize segurança privada de garimpos e se absteve de comentar sobre o paradeiro de seu cliente.

Procurado pelo GLOBO, o delegado da Polícia Civil, João Evangelista, atual responsável pela investigação, confirmou que há uma apuração nesse sentido (sobre a constituição de milícia por policiais militares e grupo de extermínio), mas que não poderia “dar mais informações” e “nem citar nomes”.

Coronel foi visitar investigado pela PF

Em outra investigação para desarticular uma facção criminosa com base na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima, desta vez da Polícia Federal, o nome do coronel Miramilton volta a figurar em relações suspeitas. Um dos investigados pela PF é o agente penitenciário Renie Pugsley de Souza, filho do atual Comandante-Geral da PM. 

Os dois teriam feito ao menos três visitas irregulares ao interno Jonathan Novaes de Almeida, preso na Operação K’daai Maqsin, de 2019, que investigou uma organização responsável por vender armas e munições ilegalmente para garimpos e facções criminosas. Segundo a PF, Renie de Souza, que usava uma balaclava nas visitas, não estava lotado na unidade prisional e seu pai não apresentava vínculos com a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania.

Antes de ser preso, Jonathan Noaves de Almeida chegou a trabalhar no Centro de Formação de Vigilantes de Roraima, administrado pelo coronel Miramilton, de acordo com a PF.  No momento, a empresa de segurança consta como inativa na Receita Federal. A investigação da PF apontou que o filho do coronel mantinha uma elevada movimentação financeira em suas contas bancárias, apesar de receber na época R$ 4 mil de salário.

Citados nas investigações, Alyson Barbosa, Renie Pugsley de Souza, Emilângelo Medeiros, Arnaldo Cinsinho Melville, Lucas Araruna e André Galúcio não foram localizados. O espaço segue aberto para manifestações.

AO GLOBO, por meio de nota, o coronel Miramilton afirmou que tanto ele quanto o filho se identificaram na visita ao preso investigado e que a “fala foi autorizada pelo chefe de plantão e devidamente registrada, sem ilegalidade nenhuma”. Miramilton, que é pastor missionário, diz que “à época o cidadão frequentava mesma igreja com sua família”.

Confira a íntegra da nota do Comando da PM de Roraima:

“As alegações são inverídicas, sem fundamentos e não se sustentam quando colocadas diante dos mais de 34 anos na corporação, bem como sua vida pública e privada dedicadas à Segurança Pública do Estado de Roraima. Sempre prezou pela boa conduta social e respeito às leis, inclusive ao Estatuto e ao Código de Ética da Polícia Militar, que no Art. 21 diz que “Ao militar da ativa é vedado exercer a atividade de segurança particular e atividade comercial ou industrial (…)”. Desta forma, como representante máximo da Corporação, é ilógica que o Comandante possa incentivar que a tropa descumpra as normas internas tão caras para a hierarquia e a disciplina, basilares da existência da Polícia Militar de Roraima. Me coloco à disposição para posterior esclarecimento.”

Serviços de escolta para o garimpo

Um dos garimpos que recebe serviços de segurança prestados por PMs fica localizado na região de Pupunha, dentro da terra indígena, segundo um relatório de inteligência obtido pelo GLOBO. O empresário Lidivan Santos dos Reis, de 39 anos, morador de Boa Vista, é apontado como dono do garimpo e muito próximo a policiais militares. Ele chegou a ser preso duas vezes por porte ilegal de armas, mas foi solto por decisão judicial. A primeira prisão se deu no dia primeiro de fevereiro na Operação Hades, da Polícia Civil de Alagoas, que investiga um esquema de tráfico de drogas, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Na ocasião, foram encontradas em sua casa vários fuzis e escopeta de grosso calibre, além de veículos, relógios e joias, todos apreendidos.

O empresário também teria ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC), segundo as investigações da polícia. Na pista de pouso do garimpo, de acordo com o relatório de inteligência, ao menos uma vez por semana, um helicóptero pousa com um carregamento de drogas. Ainda de acordo com as investigações, o grupo de Lidivan é abastecido com armas e munições de calibre pesado pelos próprios policiais militares.

Lidivan chegou a ser preso novamente no último dia 19 de abril por porte ilegal de armas de fogo no município do Cantá, norte de Roraima. Com ele foram encontrados duas pistolas e um revólver, além de diversas munições. O carro em que estava Lidivan, uma picape S10, era pilotada pelo cabo Jan Elber Dantas Ferreira, hoje lotado no comando da PM no setor de Recursos Humanos, e apontado como amigo íntimo do empresário. A polícia investiga a atuação de Jan Elber no transporte de armas que abastece o garimpo.

Advogados de Lidivan Reis negam o envolvimento do cliente com o tráfico de drogas e afirmam que sua prisão temporária, que não chegou a ser renovada, foi um “equívoco”. Além disso, desconhecem as alegações de envolvimento no garimpo ilegal e no uso de PMs para segurança privada. Procurado, Jan Elber disse ser amigo de Lidivan, mas negou envolvimento com qualquer tipo de crime e alegou nunca ter sido alvo de operação. Em nota, a PM disse ter aberto uma sindicância interna para apurar a conduta do agente investigada na Operação Hades.

Entre outros policiais citados no inquérito estão o soldado Samuel Ramos Gonçalves e o sub-tenente Emilângelo Medeiros, vulgo Mica. Procurado, o advogado de Samuel Gonçalves negou envolvimento do cliente na tentativa de roubo da aeronave e afirmou que ele se encontrava no desfile de 7 de setembro da PM quando o episódio ocorreu. Citado como envolvido em pistolagem, Emilângelo Medeiros não foi localizado.

Em outra frente de investigação, que também apura a atuação de milícia e grupo de extermínio, três policiais militares foram presos na Operação Janus, deflagrada no último dia 17 de abril. São eles: o sargento Arnaldo Cinsinho Melville e os soldados Lucas Araruna e André Galúcio, acusados de simular confrontos para cometerem assassinatos por encomenda.

Segurança do governador está implicado

O envolvimento de PMs em crimes dos mais diversos em Roraima ganhou um novo capítulo na semana passada. O capitão Helton John Silva de Souza foi identificado como uma das pessoas presentes no duplo homicídio de um casal de agricultores envolvidos em uma disputa por terras. Uma das vítimas chegou a gravar o momento em que foi abordada por homens que tentavam se apossar de suas propriedades. Na gravação à qual O GLOBO teve acesso, é possível, de acordo com as investigações, ouvir a voz do capitão Helton antes dos disparos matarem o casal. Helton John, no dia do crime, ainda era o coordenador da segurança do governador Antonio Denarium (PP). Ele foi afastado do cargo seis dias após os assassinatos.

Em um outro relatório obtido pelo GLOBO, a Polícia Civil diz ter confirmado se tratar da voz do capitão Helton John com colegas de trabalho e amigos do futebol. Segundo o documento, ao tomarem conhecimento do caso, pessoas próximas ao capitão “’vinculadas a contextos religiosos’ expressaram profunda tristeza e decepção, reforçando a credibilidade das acusações sem indícios de falsidade”.

Procurada, a PM disse não ter sido ainda oficialmente informada da participação do capitão Helton John no crime de duplo homicídio. Já a Casa Militar de Roraima confirmou a decisão de afastar o oficial após tomar conhecimento da investigação. O órgão esclarece que, no dia do crime, Helton John estava de folga.

O aumento da violência no estado pode ser atestado pelos números de mortes ocorridas em confrontos com a polícia. As investigações desses crimes apontam que muitos deles são forjados para simular confronto com PMs. Dados do Ministério Público de Roraima indicam que, entre 2021 e 2023, a letalidade policial cresceu 75%, após quatro anos em queda. Desde 2021, o contingente de policiais militares aumentou 43%, com a adição de 950 militares.

—  De 2018 a 2021, houve uma significativa redução, de 60%. O ano de 2021 foi o menor índice recente. Mas, de lá para cá, ele aumentou significativamente (…) Essas mortes são sempre em confrontos com policiais militares — disse o promotor de Justiça Antonio Carlos Scheffer Cezar, responsável pelo controle externo da atividade policial e crimes militares.

NARCOMADEIREIROS, TRAFICANTES E MILICIANOS: CNJ MAPEIA ATUAÇÃO DE GRUPOS CRIMINOSOS NA AMAZÔNIA

OG – 8.5.24

Além dos já conhecidos garimpeiros e grileiros, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se debruçou no mapeamento da atuação de outros grupos criminosos na região da Amazônia Legal, como narcomadeireiros, traficantes e até milicianos. Uma pesquisa do órgão analisou, sob a perspectiva de processos judiciais, as cadeias de financiamento, de lavagem de dinheiro, além de corrupção nesse espaço territorial que abarca nove estados e mais da metade do território nacional.

“Observou-se como padrão do universo dos processos analisados que a maioria dos crimes ambientais compreendidos na Amazônia Legal estão diretamente ligados à exploração de recursos naturais (madeira e minérios, principalmente), associados a organizações criminosas que operam atividades coordenadas e complexas, engendrando um padrão de alta sofisticação na lavagem do bem e capital envolvidos”, aponta o CNJ.


O documento, objeto de reportagem da revista “Veja” e obtido pelo GLOBO, afirma que uma rede de profissionais, a princípio com funções legítimas, frequentemente cooperam com os esquemas fraudulentos. São contadores, advogados, engenheiros florestais e servidores públicos que se corrompem e permitem a aprovação de licenciamentos ilegais, bem como a implementação de fraudes aos sistemas de controles oficiais. O trabalho em conjunto também acaba por obstruir o trabalho da fiscalização. 


A análise também revela que fazendeiros, madeireiros e garimpeiros participam da extração da matéria-prima ilegal, como minério, “podendo estar associados ou não a grupos de milícia, com envolvimento de polícias locais ou agentes de segurança privada”.

“Há uma rede de outras atividades-meio que alimentam as cadeias produtivas criminosas, tais como comércio de combustíveis, frigoríficos, lojas de materiais hidráulicos e corretagem de imóveis”, registra o relatório.

A pesquisa cita, por exemplo, uma investigação que mirou a atuação de policiais civis e militares, traficantes de drogas, pistoleiros e ex-políticos locais no garimpo denominado Serra do Caldeirão, na fronteira com a Bolívia. Com armas de fogo e força bruta, eles exerciam o controle das localidades de onde o ouro era extraído em maior quantidade.

O grupo extorquiria garimpeiros no local, cobrava percentuais pela extração e até “pedágios” para o acesso ao garimpo e uso de estacionamento, além de estabelecer regras sobre o comércio na localidade. O ouro extraído teria sido vendido a comerciantes locais na cidade de Pontes e Lacerda, no Mato Grosso.

Em outra ação, desdobramento da operação Lava-Jato, foi investigada uma organização criminosa atuando na exploração ilegal de recursos naturais na Terra Indígena Parque do Aripuanã, em Rondônia, especificamente de pedras preciosas de diamantes. O núcleo financeiro era composto por financiadores, que seriam empresários, advogados e até autoridades locais.

Em entrevistas colhidas pelo CNJ, a equipe do projeto constatou que o dinheiro que financia o desmatamento em toda a Amazônia circula por atividades distintas, sendo movimentado por pessoas ou empresas. Em geral, o processo inicia com a grilagem ou invasão da terra a ser desmatada, seguida da derrubada da vegetação e do transporte da madeira para circulação no comércio ilegal.

Os conflitos relacionados à terra também são tratados como um dos principais motivos do desmatamento. No Acre, um entrevistado afirmou que nas zonas de fronteira com Bolívia e Peru há incidência de tráfico de drogas e de armas, que atualmente estão se relacionando com os crimes ambientais.

Outro entrevistado da região considerou que os “narcomadeireiros” representam a maior ameaça.

“Essas rotas usadas pelos narcotraficantes, que são esses homens-mulas que transportam as drogas, eles usam os caminhos dos povos isolados na floresta. […] Então, a gente sabe que o narcotráfico, aliado à exploração, à atividade ilegal da madeira, é a principal ameaça aos povos isolados e aos povos indígenas de forma geral, […] porque a fronteira do Acre com o Peru é basicamente terras indígenas e unidade de conservação. Então, essas rotas, inevitavelmente, elas passam pelos territórios indígenas e pelas áreas de conservação ambiental”, contou.

Outro acreano também mencionou que a entrada das facções na região Norte do país está relacionada aos crimes ambientais. Segundo ele, atualmente, além da atuação dos “narcomadeireiros, há cooptação de indígenas, muitas vezes utilizados como “mulas” para permitir o tráfego em áreas estratégicas para o tráfico.

A pesquisa contou com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).

EDUARDO BOLSONARO, PABLO MARÇAL E CLEITINHO SERÃO INVESTIGADOS POR FAKE NEWS SOBRE RS

OG – 8.5.24

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) e o influenciador Pablo Marçal estão na lista de responsáveis por postagens identificadas pelo Palácio do Planalto como “fake news” relacionadas às chuvas no Rio Grande do Sul. Após identificar os conteúdos nas redes sociais de políticos e influenciadores, o governo enviou um ofício ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, com um pedido de investigação sobre possíveis “crimes” cometidos pelos autores.

Após receber o documento, Lewandowski remeteu o pedido à Polícia Federal para análise e adoção “das providências cabíveis, com a urgência que o caso requer”. O texto do Planalto enviado ao Ministério da Justiça é assinado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta. O ministro foi procurado pelo comandante Militar do Sul, general Hertz Pires do Nascimento, que comentou que fakes news sobre o trabalho do Exército vem causando desconforto e atrapalhando o trabalho das tropas em ação no resgate de atingidos pela enchente no Rio Grande do Sul.

Internamente, o Planalto fala em “abrir uma guerra” contra quem propaga fake news, diante de uma tragédia que já deixou 90 mortos e afetou 1,3 milhão de pessoas no Estado desde a semana passada.

O documento cita preocupação com o “impacto dessas narrativas na credibilidade das instituições como o Exército, FAB, PRF e Ministérios, que são cruciais na resposta a emergências.”

O ministro afirma no pedido a Lewandowski que “a propagação de falsidades pode diminuir a confiança da população nas capacidades de resposta do Estado, prejudicando os esforços de evacuação e resgate em momentos críticos. É fundamental que ações sejam tomadas para proteger a integridade e a eficácia das nossas instituições frente a tais crises.”

Sem citar qual tipo de punição, o documento solicita “providências cabíveis” pelo MJ, “tanto para a apuração dos ilícitos ou eventuais crimes relacionados à disseminação de desinformação e individualização de condutas quanto para reforçar a credibilidade e capacidade operacional das nossas instituições em momentos de crise.”

Em uma das publicações citadas, Eduardo Bolsonaro criticou a ajuda do governo federal ao Rio Grande do Sul, ao mencionar que o governo levou quatro dias para enviar reforços a região. Outra publicação, do influenciador Pablo Marçal, cita que a Secretaria da Fazenda do RS estava barrando os caminhões de doação, impedindo a distribuição de comida e marmitas. A mesma informação foi reafirmada pelo senador Cleitinho Azevedo.

É PRECISO, SIM, POLITIZAR A TRAGÉDIA CLIMÁTICA

OG – 8.5.24 – BERNARDO MELLO FRANCO

Não é hora de procurar culpados. Não se deve politizar a tragédia. Os chavões se repetem desde o início das enchentes no Rio Grande do Sul. Ajudam a encobrir erros, diluir responsabilidades, proteger quem se omitiu.

Escolhas políticas estão na origem da emergência climática. Autoridades que negam a crise ajudam a agravá-la. Governantes que não investem em prevenção contribuem para ampliar os desastres.

O prefeito de Porto Alegre não aplicou um centavo no sistema contra enchentes em 2023. Sem manutenção, diques e comportas entraram em colapso. A água invadiu o centro histórico, tomou as ruas, deixou bairros submersos.

No domingo, Sebastião Melo orientou os donos de casas de praia a se refugiarem no litoral. A sugestão não contemplou as famílias mais pobres, condenadas a buscar abrigos e entrar nas filas de doações.

O governador gaúcho patrocinou o desmonte da legislação ambiental do estado. Aprovadas em 2019, as mudanças afrouxaram as regras de licenciamento, liberaram o corte de árvores nativas, reduziram a proteção de rios e nascentes.

Há menos de um mês, Eduardo Leite sancionou outra lei que permitiu a construção de barragens para o agronegócio em áreas de proteção permanente. Agora ele dá entrevistas de colete da Defesa Civil e pede um “Plano Marshall” para recuperar o que foi destruído.

O descaso com os riscos climáticos se estende à bancada federal do Rio Grande do Sul. Dos 34 congressistas gaúchos, só uma deputada destinou emendas para a prevenção de desastres este ano. O campeão de votos no estado pertence à bancada ruralista.

O momento é de resgatar e acolher as vítimas, mas medidas emergenciais não evitarão novos eventos extremos. As saídas, como sempre, dependem da política. E o discurso de não buscar culpados só ajuda a protegê-los.

Hoje os senadores devem votar um projeto que reduz de 80% para 50% a reserva legal na Amazônia. Se a boiada passar, os proprietários de terras poderão derrubar mais áreas de floresta. É uma receita certa para encomendar novas tragédias.