GOVERNADOR DO RS DIZ QUE DOAÇÕES POR PIX PARA VÍTIMAS DAS ENCHENTES VÃO PARA ENTIDADE PRIVADA

G1 – 9.5.24

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disse que as doações feitas via PIX para as vítimas das enchentes que atingem o estado não vão para o governo e, sim, para uma entidade privada. Segundo ele, o valor arrecadado será destinado para atender as pessoas que foram atingidas pela tragédia.

“O PIX não é para o governo. O PIX é para uma conta de uma entidade privada que é da Associação dos Bancos do Rio Grande do Sul. Não é dinheiro para o governo, para fazer, nenhuma das ações que nós anunciamos aqui vai consumir os recursos do PIX”, disse Leite.

Mais de 90 pessoas morreram por conta dos temporais e enchentes que atingiram o estado desde 29 de abril.

Segundo ele, os recursos das doações via PIX serão enviados para atender as pessoas que foram atingidas pelas enchentes no RS, quando a população terá que reconstruir as casas e recuperar os bens perdidos na enchente.

Por meio de decreto, foi criado um comitê gestor com entidades, associações de municípios e entidades privadas, empresariais, sociais e assistenciais que decidem a forma de aplicação dos recursos. Haverá a participação de entidades sociais para decidir para onde e para quem vai o dinheiro.

“Uma vez decidida a forma de aplicação, são chamadas entidades sociais para que a gente possa fazer esse recurso chegar na ponta para as famílias, e ele vai ser priorizado para ajudar a reerguer as vidas das pessoas. Porque as pessoas vão precisar do apoio, vai ser o momento seguinte para reerguer as suas vidas”.

Leite disse que a arrecadação passará por auditoria e terá transparência, com acompanhamento público. “Então, tem transparência, tem cuidado, tem gestão compartilhada com a sociedade e tem, sobretudo, o foco de chegar nas pessoas. Não é dinheiro para o governo.

Tragédia no RS

Defesa Civil do Rio Grande do Sul atualizou para 95 o número de mortos em razão dos temporais que atingem o estado. O boletim divulgado na tarde desta terça-feira (7) ainda aponta que há outros 4 óbitos sendo investigados. O estado registra 131 desaparecidos e 372 feridos.

Há 207,8 mil pessoas fora de casa. Desse total, são 48,8 mil em abrigos e 159 mil desalojados (pessoas que estão nas casas de familiares ou amigos).

O RS tem 401 dos seus 497 municípios com algum relato de problema relacionado ao temporal, com 1,4 milhão pessoas afetadas.

As rodovias estaduais registram bloqueios totais e parciais em 95 trechos de 41 estradas.

Hospitais de campanha foram montados pelo governo federal para auxiliar pessoas feridas e desabrigadas. No momento, os municípios de Estrela, Canoas e São Leopoldo foram contemplados pelas estruturas.

Segundo a nova atualização, são 451 mil pontos sem luz no estado. Na área da CEEE Equatorial, são 206 mil imóveis sem energia. A RGE Sul tem 245 mil imóveis afetados.

A Corsan totaliza 649 mil clientes sem abastecimento de água no estado. Em Porto Alegre, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) informou que religou a Estação de Tratamento de Água (ETA) São João na manhã desta terça. Trinta e cinco bairros da Zona Norte são abastecidos. Outras quatro estações estão fora de operação.

LEITE MUDOU QUASE 500 NORMAS AMBIENTAIS EM 2019; ESPECIALISTAS CRITICAM GESTÃO

FSP – 9.5.24

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), alterou em torno de 480 normas do Código Ambiental do estado em seu primeiro ano de mandato, em 2019. A medida, sancionada em 2020, acompanhou o afrouxamento da política ambiental brasileira incentivada, à época, pelo então ministro Ricardo Salles, do MMA (Ministério de Meio Ambiente), no governo Bolsonaro.

Agora, em meio às enchentes no estado, ambientalistas criticam a gestão de Eduardo Leite e apontam o governador como o articulador, junto à Assembleia Legislativa, do que chamam de desmonte das leis estaduais de proteção ambiental.

Em nota, o governo do RS diz que a mudança do código teve, como base, discussões que envolveram sociedade e instituições, como a Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental). O Executivo afirma ainda que as catástrofes climáticas são uma tendência mundial, com ocorrências mais frequentes e intensas, sendo assim, não atribuíveis à atualização da lei.

“A atualização alinhou a lei estadual à legislação federal. A modernização acompanhou as transformações da sociedade, tornando a legislação aplicável, priorizando a proteção ambiental, a segurança jurídica e o desenvolvimento responsável”, diz, em nota.

O diretor científico e técnico da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), Francisco Milanez, nega que a sociedade civil e entidades ambientalistas tenham participado da construção do novo código. Biólogo e pós-graduado em análise de impacto ambiental, ele afirma que as mudanças foram tomadas de forma unilateral, encabeçadas pelo governador.

Milanez conta que o antigo Código Ambiental levou quase dez anos para ser elaborado e a primeira tentativa de mudança, a pedido de Leite, era em regime de urgência, mas foi impedida pela Justiça. O processo então ocorreu 75 dias depois com a aprovação da Assembleia Legislativa.

A legislação original foi construída, segundo ele, em conjunto com as federações das indústrias e da agricultura, entidades ambientais e sociedade civil.

“O atual governador destruiu esse Código Ambiental. Nós pedimos debate com a sociedade, mas ele fugiu. Leite tem maioria na Assembleia Legislativa. O código era a maior obra-prima do consenso de um estado”, critica o biólogo.

“No outro ano [2021], ele mudou a primeira lei de agrotóxicos do hemisfério sul do planeta [aprovada no começo dos anos 80]. Ele tirou o item mais importante dessa lei, que era o seguinte: nenhum agrotóxico pode ser licenciado no Rio Grande do Sul se não for licenciado no país de origem”, ressalta.

Milanez critica também a sanção do governador, neste ano, de lei que flexibiliza a construção de barragens e outros reservatórios de água dentro de áreas de proteção permanente. De acordo com o ambientalista, essa medida é preocupante por poder afetar o fluxo natural da água, o que pode gerar cheias de rios e chuvas mais concentradas.

“O Rio Grande do Sul foi pioneiro na legislação ambiental e na própria luta em prol do meio ambiente no Brasil. E agora está fazendo o pior papel possível. Nesses últimos anos, nós estamos pagando a conta da destruição ambiental e ela se dá por várias formas.”

Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de mais de cem organizações socioambientais, o desmonte vai além do governo estadual e da Assembleia Legislativa. Ele enfatiza a participação do Congresso Nacional no afrouxamento de políticas ambientais, com a contribuição de deputados federais e senadores eleitos pelo Rio Grande do Sul.

Astrini avalia que o Brasil vive duas ondas de prejuízos, uma delas na questão climática e a outra na mudança de legislação, que flexibiliza regras de proteção ambiental. Ele cita a liberação de construções em áreas que alagam e a eliminação de vegetação que poderia drenar a água e tornar o solo mais compacto.

“Temos autoridades no país que estão trabalhando no sentido contrário àquilo que deveria ser feito. São pessoas que fazem projetos de lei para incentivar o desmatamento, para diminuir a capacidade de fiscalização e investimento, para reduzir operações de campo, para liberar cada vez mais áreas que beneficiam a grilagem de terras”, afirma.

Astrini dá como exemplo o projeto de lei 3.729/2004, aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados, que flexibiliza normas e dispensa diversas atividades da obtenção do licenciamento ambiental, considerado um retrocesso por entidades ambientalistas. A proposta teve votação favorável de 22 parlamentares do Rio Grande do Sul, filiados aos partidos PL, PP, PDT, PSDB, MDB, Republicanos, Novo, MDB, Podemos e PSD.

“Existem projetos de lei de anistia para desmatadores e grileiros, projeto de lei que acaba com as demarcações de terras indígenas e coloca em revisão as já existentes no Brasil —lembrando que a terra indígena é a forma mais rápida de conter desmatamento. Existem PLs de liberação de mineração em unidades de conservação e para subverter o uso do Fundo Amazônia”, enumera.

Para Astrini, com base em outros episódios climáticos recentes devastadores no Rio Grande do Sul, Eduardo Leite poderia ter sido exemplo na preparação para situações extremas, mas, na sua visão, ignorou os alertas de desastres e protagonizou a diminuição de proteção ambiental de áreas sensíveis.

“Se o governador não acreditar agora nessa questão de clima, eu não sei qual vai ser o momento. Porque o estado que ele governa sofreu em 2021 e 2022 duas secas extremamente severas, que trouxeram prejuízos bilionários para a produção agrícola. E agora está sofrendo um período de chuva desde setembro do ano passado, quando já teve a primeira enchente muito grande”, afirma.

NO RIO GRANDE DO SUL, É HORA DE APONTAR O DEDO

FSP- 9.5.24 – THIAGO AMPARO

É hora de apontar o dedo para a Prefeitura de Porto Alegre, sob a gestão de Sebastião Melo (MDB), que destinou zero real em 2023 para a prevenção contra enchentes e recusou a contratação de 443 funcionários para o DMAE (Departamento Municipal de Águas e Esgotos) —o qual, desde 2013, foi cortado pela metade. Não é surpreendente, portanto, que o sistema de contenção de cheias, datado da década de 1970, não tenha dado conta.

É hora de apontar o dedo para o governo do Rio Grande do Sul, sob a gestão de Eduardo Leite (PSDB), pelo atraso de três dias na comunicação sobre a tragédia iminente, entre o primeiro boletim meteorológico (26/4) e a primeira postagem do governador (29/4, à noite), sem orientações claras à população. É hora de apontar o dedo a Leite por praticar “greenwashing”: em 2020, desconfigurou lei ambiental; em 2021, criou autolicenciamento ambiental privado; e, em 2024, permitiu barragens em áreas de preservação. A Agência Lupa revelou que 90,17% das cidades gaúchas agora afetadas já passaram por emergências de chuvas nos últimos 11 anos.

É hora de apontar o dedo para o governo federal, sob a Presidência de Lula (PT), por ainda não ter liberado o Sistema de Alerta de Desastres, pronto há seis meses. Apenas 11,2% dos gaúchos estão cadastrados no sistema estadual de alertas. É hora de apontar o dedo a Lula por ter demorado para incluir adaptação climática ao PAC e por não defender a redução da exploração de combustíveis fósseis. É hora de apontar o dedo para o governo Dilma que, em 2015, enterrou o relatório Brasil 2040 que já antecipava calamidades climáticas como a do Sul.

É hora de apontar o dedo para a bancada bolsonarista que, em sua suma incompetência, prefere espalhar fake news a ajudar sua população; e ao Congresso Nacional que, no meio da crise, avança em pautas antiambientais. Numa democracia, apontar o dedo não é crueldade: é honrar as vítimas para que ninguém mais tenha sua casa e familiares arrastados por calamidades que poderiam ter sido evitadas e não o foram.

GOVERNO LULA PEDE QUE PF INVESTIGUE MÉDICOS POR FAKE NEWS SOBRE FALTA DE REMÉDIOS NO RS

FSP – 10.5.24 – MÔNICA BÉRGAMO

O ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social, enviou à Polícia Federal (PF) na quinta (9) novos nomes para serem investigados pela suspeita de disseminarem fake news sobre as enchentes no Rio Grande do Sul. Dois médicos estão na lista.

Eles postaram vídeos em suas redes sociais afirmando que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estaria impedindo aviões particulares de decolarem com medicamentos doados às vítimas da catástrofe –o que a agência nega de forma enfática.

A dermatologista Roberta Zaffari Townsend afirmou a seus 33,5 mil seguidores no Instagram que ela e “colegas médicos” passavam pela “mesma situação”: tinham conseguido “aviões particulares” com “amigos” que estavam doando remédios. Os medicamentos, porém, não chegavam ao estado por causa da burocracia da Anvisa.

“Por favor, Anvisa, libera essas medicações. A gente precis a salvar vidas de pessoas”.

Já o médico Victor Sorrentino, que tem 1,3 milhão de seguidores na mesma rede, postou uma live afirmando que aviões privados, “em três aeroportos, carregados de medicamentos”, não conseguiam decolar por causa da “burocracia da Anvisa”.

“Estão fazendo as pessoas morrerem sem medicamentos aqui”, disse ele.

Sorrentino já foi detido no Egito, em 2021, acusado de assédio sexual, e suspenso por um mês, em abril deste ano, pelo Conselho Regional de Medicina do RS por violar o Código de Ética da profissão.

CÉU ABERTO

O vídeo de Sorrentino teve tal impacto que a Anvisa divulgou uma nota, sem citá-lo, afirmando que “não efetuou qualquer restrição ao transporte de medicamentos destinados ao Rio Grande do Sul”.

A assessoria da Anvisa afirmou ainda à coluna que, “exceto pela postagem veiculada nas mídias sociais, não recebemos nenhum outro relato de aeronaves impedidas pela Anvisa de transportar medicamentos”.

Os médicos Victor Sorrentino e Roberta Townsend não responderam às mensagens enviadas pela coluna.

Questionada sobre em quais aeroportos do país aviões particulares teriam sido supostamente retidos pela Anvisa, e qual a matrícula das aeronaves, a assessoria de Sorrentino informou inicialmente que “quanto aos detalhes do ocorrido, o dr. Victor entende que, diante da solução imediata do problema pela própria Anvisa, que, novamente, foi apreciada por ele em vídeo também, agora não se faz necessário apontar os detalhes.”

Disse posteriormente que era a própria assessoria que dizia não saber quais aviões teriam sido supostamente retidos, e que Sorrentino está incomunicável. “A situação lá no Sul está muito difícil e o dr está em campo ajudando seu estado”, afirmou. “Portanto, etá impossível falar com o dr!”, finalizou.

A assessoria afirmou ainda que a Anvisa baixou resoluções flexibilizando a burocracia para o envio de medicações. A agência, no entanto, não tratou do assunto em suas medidas, e nega a aplicação de qualquer norma burocrática aplicada a aeronaves que transportariam remédios para o Rio Grande do Sul.

PORTO ALEGRE TERÁ ABRIGO EXCLUSIVO PARA MULHERES E CRIANÇAS APÓS PRISÃO DE SUSPEITOS DE ESTUPRO

OG – 10.5.24

A prefeitura de Porto Alegre anunciou na noite desta quinta-feira que mulheres e crianças poderão ficar em um abrigo exclusivo com vigilância privada. O anúncio ocorre após seis pessoas serem presas por suspeita de estupro nos abrigos.

De acordo com a prefeitura, dos 140 abrigos municipais, 127 terão a vigilância noturna, mas a expectativa é que passe a ser durante todo o dia.

Pelas redes sociais, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, afirmou que o abrigo exclusivo para mulheres e crianças é uma parceria do Ministério Público, o Tribunal de Justiça e o Legislativo municipal e estadual.

O local deverá receber inicialmente 50 mulheres e crianças de até 12 anos. Lá, haverá serviços da Defensoria Pública e da Polícia Civil para garantir a proteção a vítimas de violência doméstica e não será autorizado visitas.

A Polícia Civil do Rio Grande do Sul prendeu seis homens suspeitos de estupros cometidos em abrigos em meio ao desastre causado pelas chuvas no estado. Os casos ocorreram na capital, Porto Alegre, em Canoas e em Viamão. Os policiais também prenderam 38 pessoas por saques em municípios atingidos por enchentes e investigam 27 casos de estelionato, de pessoas pedindo doação para afetados pelas chuvas.

Cinco ocorrências de estupro foram registradas em Porto Alegre e Canoas. O outro caso foi em Viamão, em uma chácara que servia de abrigo não oficial, no qual uma criança de seis anos foi abusada por um homem de 24 anos. O secretário da Segurança Pública do estado, Sandro Caron, explicou que os outros cinco registros de crime sexual envolveram suspeitos que eram integrantes das famílias das vítimas.

Os abrigos não contam com a presença permanente de policiais – alguns chegam a ter 6 mil pessoas abrigadas. Para suprir esta demanda, o governo busca policiais militares (chamada de Brigada Militar no estado) da reserva para que voltem ao trabalho para atuar especificamente no policiamento dos abrigos. O prazo para inscrição dos interessados vai até sexta-feira e no sábado o efetivo já vai receber os equipamentos.

URUBUS DA TRAGÉDIA PRENUNCIAM DEVATE

VALOR ECONÔMICO – 9.5.24 – Maria Cristina Fernandes

Acorre à tragédia gaúcha uma multiplicidade de explicações, não-excludentes: chuva sem precedentes na história, exploração agrícola que, há séculos, devasta a vegetação que poderia reter a chuva, sistema de prevenção de enchentes deixado à míngua e uma legislação ambiental destroçada pelos poderes locais e por uma bancada de parlamentares que capitaneia o negacionismo climático no país. Nenhuma das explicações pode ser negligenciada na reconstrução do Estado e na chamada à responsabilidade de gestores e parlamentares num jogo em que todos os pontos estão ligados. A cada centavo que se tira dos cuidados acumulam-se prejuízos humanos e materiais no futuro.

Da companhia que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fizeram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sua segunda visita ao Estado, surgiram duas iniciativas – uma boa, a PEC para remanejar 5% da verba de emendas individuais para a prevenção de catástrofes ambientais na Câmara, e uma ruim, o “orçamento de guerra”, que brotou no Senado e, antes de ser abortado, ameaçava dar carona a gastos em nada relacionados à tragédia gaúcha.

Os urubus da tragédia vão dos ladrões que saquearam casas abandonadas até parlamentares que pretendiam estender a todo o país o socorro a agricultores vitimados no Estado, passando por desmatadores que não se inibiram com o ocorrido. O senador Plínio Valério (PSDB-AM), que presidiu a CPI das ONGs, achou por bem prestar homenagem às vítimas defendendo mais desmatamento na Amazônia, região vital contra o desequilíbrio climático do planeta. Subiu à tribuna para atacar a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, por sua oposição à BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. “Fui eleito para defender minha gente, que pisa em ouro mas dorme ao relento”, respondeu, ao ser indagado sobre seu interesse na exploração mineral na região.

Os urubus também estão pousados nas redes sociais, seja para atrapalhar as doações, como o fizeram com a campanha de Felipe Neto, seja para minar os esforços estatais. O influenciador empreendeu campanha de arrecadação de fundos para a compra de purificadores capazes de transformar em potável a água de enchente. Ilhados, milhares de gaúchos têm sido obrigados a escolher entre morrer de sede ou de água contaminada. Pois o influenciador foi acusado de recolher dinheiro para si, a ponto de os bancos soltarem um alerta de suspeição nas tentativas de Pix na conta indicada.

Já o bombardeio sobre a ajuda estatal envolveu parlamentares que não se importaram em deixar sua digital na exploração da tragédia. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) compartilhou a “denúncia” de que havia corpos de bebês boiando porque pilotos de lanchas estavam sendo impedidos de fazer resgate sem apresentar documentação.

O filho do ex-presidente compartilhou esta “denúncia” de Washington, onde esteve para participar de audiência no Congresso americano, convocada por deputado trumpista, que discutiu a “crise da democracia no Brasil”. Estava acompanhado de outros dois deputados do PL, Nikolas Ferreira (MG) e Gustavo Geyer (GO). Todos compartilhavam notícias falsas sobre a enchente gaúcha à distância enquanto prestavam solidariedade presencial a Paulo Figueiredo, neto do último presidente da ditadura, hoje investigado no Supremo.

Nenhum ataque, porém, repercutiu tanto quanto a “denúncia” de que o governo federal havia rejeitado oferta de aviões do Uruguai. A reportagem da “Folha de S.Paulo” explicava que a recusa havia se dado em função da inexistência de pistas de pouso para o tipo de aeronave oferecida, mas, como costuma acontecer nas redes, “viralizou” o título sobre a recusa. O quiproquó obrigou o governo a soltar nota sobre a recusa, informando ter aceito helicópteros por terem menor exigência para o pouso.

Esta guerrilha digital sinaliza que o embate político em torno da tragédia mal começou. Pesquisa Genial/Quaest, cujas entrevistas foram colhidas entre as duas visitas do presidente Luiz Inacio Lula da Silva ao Estado, mostra que a região Sul foi a única em que a aprovação do governo subiu. A segunda notícia positiva mais lembrada pelos entrevistados foi a ajuda aos gaúchos, o que sugere uma correlação entre os fatos.

Esta aprovação mostra que o foco na tragédia – e não na disputa política – é o que se quer. Por isso, ao verbalizar crítica a deputado bolsonarista posando para as redes em jet ski ou ao descaso de seu antecessor com as vítimas de enchente na Bahia, Lula vai na contramão. Manoel Fernandes, da empresa de monitoramento digital Bites, diz que foi a primeira vez em que o governo sai em vantagem nas redes, mas corre o risco de desperdiçar esta aprovação. Muito mais consequente do que brigar com bolsonarista seria uma campanha mundial contra a ameaça climática nos moldes daquela que Lula empreendeu pela fome no primeiro mandato.

As previsões mais otimistas são de que a recuperação do Estado leve quatro anos, tempo suficiente para que bandos de urubus se renovem. Saques em supermercados são um alerta da fome que ameaça os ilhados. As doenças da enchente ainda estão por ser mapeadas. Dificuldades inerentes à reconstrução vão colocar em xeque muitos dos esforços empreendidos. Catástrofes tanto podem fazer com que a solidariedade invada a política quanto permitir que o oportunismo da extrema direita se locuplete. É uma escolha.

CATÁSTROFE NO SUL ESCANCARA DESPREPARO DIANTE DA CRISE CLIMÁTICA

OG – 9.5.24 – MALU GASPAR

Já faz um tempo que virou moda usar a emergência climática para fazer marketing. Empresas gastam fortunas com relatórios e consultorias que atestem sua responsabilidade ambiental e social, colocando o aposto “verde” em seus produtos sempre que podem — e também quando não podem.

Declarar engajamento na preservação do meio ambiente é obrigatório para quase todos os políticos, inclusive os que trabalham pela destruição. As conferências mundiais sobre o tema se tornaram grandes eventos midiáticos para os quais se enviam caravanas.

Só o Brasil mandou no ano passado a Dubai, para a Conferência do Clima da ONU, 69 deputados, 16 senadores e 12 governadores, que participaram de seminários e painéis de alto nível sobre como salvar a Terra do aquecimento. Tudo fotografado, documentado e disseminado nas redes sociais, como atestado de virtude.

Não que esse tipo de reunião não seja importante. Encontrar soluções para tentar conter os danos das tragédias climáticas e ambientais é urgente e só acontecerá com a troca de experiências e a adoção de uma nova concertação global.

A cada desastre, porém, esse teatro fica ainda mais desmoralizado. Países assinam compromissos com metas sabendo que dificilmente as cumprirão. Candidatos a presidente prometem iniciativas para conter a mudança que muito provavelmente não implementarão. E a primeira verba que governadores e prefeitos sacrificam quando precisam fazer cortes é a de prevenção a desastres ambientais.

Por isso faz todo o sentido chamar os políticos à responsabilidade diante de uma catástrofe como a do Rio Grande do Sul. Só não faz sentido acreditar que a cobrança e os ataques sejam suficientes para fazê-los mudar de atitude.

Já aconteceu depois dos temporais que varreram a Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011, deixando 918 mortos. Dois anos depois, quando as chuvas mataram mais de 40 pessoas em Minas Gerais e no Espírito Santo. Em 2015 e 2019, após o estouro das barragens de Mariana (MG) e Brumadinho (MG), que deixou ao todo 289 vítimas fatais.

Ou em fevereiro de 2023, quando as chuvas devastaram São Sebastião, no Litoral Norte paulista, vitimando 65 pessoas. E assim chegamos ao Rio Grande do Sul, onde já pereceram mais de cem pessoas e onde vem se revelando o mesmo enredo de relaxamento de leis ambientais e fiscalização, falhas de manutenção e falta de investimento na prevenção.

Os temporais, que começaram em 27 de abril, ganharam força no dia 29 e já afetaram mais de 873 mil pessoas em território gaúcho, de acordo com o último boletim da Defesa Civil.

Há outra razão por que a pressão sobre as autoridades, por maior que seja, corre sério risco de ser inócua: o flagrante despreparo para catástrofes de magnitude cada vez maior.

Se a prevenção já não funciona quando se conhecem as soluções — como planos de contenção de encostas, esquemas de alerta e remoção da população de áreas de risco —, pior fica quando se está diante de fenômenos de escala inédita e efeitos inesperados.

Esse é um dos fatores que parecem agravar a situação no Sul e que tem sido cada vez mais preponderante nas tragédias registradas ao redor do mundo.

Desde que as águas tomaram Porto Alegre, ficou claro que o esquema de contenção de enchentes montado em torno da cidade estava obsoleto, tinha falhas de manutenção, e isso exacerbou os efeitos da calamidade. Mas, se operasse de forma impecável, teria resistido a enchente tão avassaladora?

Parte das 23 bombas instaladas para lançar a água da chuva para fora do perímetro da cidade não funcionou porque estava sobrecarregada. Se elas fossem maiores ou mais potentes, adiantaria bombear água de volta ao aguaceiro?

Em 2022, quando as chuvas inundaram dois terços do território do Paquistão e mataram mais de 1,7 mil pessoas, o sistema de drenagem não fez muita diferença porque não havia para onde drenar a água, tamanha a escala da inundação.

O fato de não existirem instrumentos para impedir catástrofes de dimensão tão gigantesca introduziu um complicador a mais numa crise que já era grave. As chuvas do Rio Grande do Sul sucederam uma estiagem severa e mais de dez ciclones extratropicais apenas em 2023.

Certamente haverá muito debate sobre o caso do Sul nos próximos anos, assim como uma necessária revisão dos planos de prevenção, de resgate e de acolhimento às vítimas.

O que mais preocupa, porém, é constatar que o tamanho das calamidades tem crescido na mesma medida do oba-oba em torno da questão climática, sem que haja solução viável para os desafios que a nova realidade nos impõe. O que evidentemente não isenta os governantes de responsabilidade. Pelo contrário, só expõe a dimensão do nosso despreparo.

CHUVAS NO RS: 70% ACREDITAM QUE TRAGÉDIA PODERIA SER EVITADA E 68% RESPONSABILIZAM GOVERNO ESTADUAL

OG – 9.5.24

Para sete em cada dez brasileiros, a tragédia que acomete o estado do Rio Grande do Sul há mais de uma semana poderia ter sido evitada se algo fosse feito pelos governos locais, segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quinta-feira. Para 68% dos entrevistados, o governo do estado tem a maior responsabilidade sobre a calamidade que assola o estado há mais de uma semana.

As chuvas que inundam o estado desde o começo da semana passada já deixaram 100 mortos e 130 desaparecidos, enquanto pouco mais de 1,4 milhão de pessoas foram atingidas em decorrência dos temporais e das enchentes, segundo atualização divulgada pela Defesa Civil estadual na noite desta quarta-feira. Para nove em cada dez entrevistados, a calamidade enfrentada no Rio Grande do Sul é muito grave, enquanto apenas 1% não vê gravidade no que ocorre no estado.

Para os entrevistados, o principal ente a ser responsabilizado pela tragédia é o governo estadual (68%), seguido pelas prefeituras (64%) e pelo governo federal (59%), que desde a semana passada vem disponibilizando apoio das Forças Armadas para ajudar no resgate de vítimas. Há ainda outras medidas anunciadas por ministérios do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como a antecipação de folgas e férias a servidores, e facilitação no repasse de doações ao estado.

As piores enchentes já registradas no estado, em graus mais agudos que as inundações vividas no estado em 1941, são atribuídas totalmente às mudanças climáticas por 64% dos brasileiros. Já para 30%, é apenas uma das causas. Para 1%, não há ligação nenhuma.

Na avaliação de 58% dos brasileiros, há a percepção que as mudanças climáticas estão acontecendo por intervenção humana, uma queda de 15 pontos percentuais ante o último levantamento, feito em dezembro de 2023. Por outro lado, a parcela que atribui os efeitos das mudanças climáticas também a outros fatores subiu de 7% para 27% nesta edição da pesquisa, em comparação com a anterior.

A pesquisa ouviu presencialmente 2.045 pessoas de 16 anos ou mais em todos os estados do país. O intervalo de confiança da pesquisa é de 95%, e a margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.

MESMO APÓS ABERTURA DE INVESTIGAÇÃO, GOVERNADOR DE SC POSTA FAKE NEWS SOBRE TRAGÉDIA

OG – 9.5.24

O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL-S), publicou um vídeo em que afirma que caminhões de suprimentos advindos do seu estado com destino ao Rio Grande do Sul foram barrados e multados em postos de fiscalização nas estradas. No post desta quarta-feira, o político apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro classificou o episódio como “vergonhoso”. A informação, no entanto, foi desmentida ontem pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Por conta de alegações parecidas, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) e o influenciador Pablo Marçal foram incluídos em uma lista de propagadores de “fake news”, enviada pelo Palácio do Planalto para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

Em vídeo postado no Instagram e no X (antigo Twitter), o governador aparece ao lado de um servidor da Defesa Civil de Florianópolis que teria sido parado em um dos pontos de pesagem de veículos na estrada. De acordo com o governador bolsonarista, o agente público foi multado duas vezes nessa ocasião, sendo a primeira por excesso de mercadoria e a segunda por não ter aceitado pagar o valor cobrado pelo pedágio, antes de poder prosseguir até o seu destino final.

“Quero fazer essa manifestação: a ANTT precisa revisar urgentemente os seus procedimentos. Não é fake news, é um absurdo o que está ocorrendo. Acho que a pessoa tem que ter discernimento, quem está nesses postos, para ver como isso aconteceu”, diz Jorginho no vídeo.

Em nota publicada ontem, a ANTT negou reter veículos de carga nas vias de acesso ao estado gaúcho durante o período da tragédia. O órgão também esclareceu que os caminhões que transitam nas rodovias que acessam o estado passam por um procedimento simplificado de fiscalização e são liberados para seguir viagem. A agência também afirmou que não há solicitação de nota fiscal e nem aplicação de multas sobre veículos que transportam doações.

Investigações por fake news sobre o Rio Grande do Sul

Em publicações semelhantes feitas em nas redes sociais, o influenciador Pablo Marçal teria alegado anteriormente que a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul estava barrando os caminhões de doação, impedindo a distribuição de comida e marmitas. A mesma informação foi repetida pelo senador Cleitinho Azevedo. Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro criticou a ajuda do governo federal ao RS, ao mencionar que os reforços teriam demorado quatro dias para chegar até a região.

Os nomes desses políticos e do influenciador foram incluídos em uma lista de responsáveis por postagens apontadas pelo Palácio do Planalto como “fake news”. Após identificar os conteúdos falsos, o governo enviou um ofício ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, com um pedido de investigação sobre possíveis “crimes” cometidos pelos autores. Nesta quarta-feira, a Polícia Federal instaurou inquérito para investigar o caso.

De acordo com a colunista Bela Megale, a Advocacia-Geral da União (AGU) também teria apresentado uma ação judicial para ter o direito de resposta diante de publicações falsas feitas por Pablo Marçal sobre as enchentes.

CRISE GAÚCHA E A NEGAÇÃO DA CIÊNCIA

OG – 9.5.24 – MÍRIAM LEITÃO

A economia do Rio Grande do Sul deverá sentir os efeitos dessa inundação por muito tempo, mesmo depois de superado o pior da tragédia. É uma economia que enfrentou crises climáticas em três dos últimos cinco anos. Pelo fato de ter acontecido em maio, a perda imediata será menor porque atinge os 20% da safra não colhida, mas a perda de capital é mais difícil de superar. Para a economia do país é uma nova complicação, num quadro já complexo. O Banco Central ontem reduziu o ritmo do corte dos juros, em parte pelo aumento das pressões por mais gasto público, mas deu a impressão de estar dividido politicamente.

As perdas humanas são irreparáveis e a dor dos gaúchos comove o país. As cenas estarrecedoras do quase naufrágio de um estado inteiro, e os relatos das pessoas sem água potável no meio de uma inundação lembram todos os cenários dramáticos que os cientistas vêm descrevendo há anos. O pior é saber que no Congresso brasileiro aumentou o ritmo da marcha pela destruição ambiental dos biomas brasileiros. O Observatório do Clima fez uma lista de 21 projetos lesivos ao meio ambiente que avançam no Congresso.

Um deles tem o potencial de desmatamento 30 vezes maior do que o que ocorreu no ano passado. Outro, se aprovado, significará o desmatamento de 32% do Pampa. E é de autoria de um deputado do Rio Grande do Sul, Lucas Redecker.

— Se durante o governo Bolsonaro havia quatro ou cinco projetos em situação de aprovação iminente, agora isso saltou para 20. O que significa isso? A agenda que era de Bolsonaro atravessou a rua e agora está no Congresso — diz Marcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima.

Ontem, não foi votado na CCJ do Senado o relatório do senador Marcio Bittar favorável ao projeto do senador Jaime Bagattoli que permite a redução da reserva legal na Amazônia nos municípios onde houver 50% do território de áreas protegidas. Bittar está de licença médica. Só por isso esse projeto não avançou. Mas ele é demolidor, segundo nota técnica do MMA. Bittar já havia apresentado em 2019, junto com o senador Flávio Bolsonaro, um projeto (que não prosperou) ainda mais radical: simplesmente acabava com a reserva legal.

Quem nega a ciência contrata a morte. Os defensores desses projetos de ataque aos biomas são negacionistas. Eles estão decidindo, por nós, que o país deve correr o risco do desequilíbrio ambiental, como o que faz com que o Rio Grande do Sul viva esses dias terríveis. O estado começou o ano passado na seca, terminou inundado, e agora enfrenta a segunda grande enchente em poucos meses. Os negacionistas decidem também que o país pode continuar destruindo a Amazônia, mesmo com a grande seca vivida pelos rios da região. O país inteiro tem sinais evidentes de distúrbio no clima, mas a marcha da destruição continua.

No curtíssimo prazo é preciso socorrer os gaúchos com todo o tipo de ajuda, da voluntária à governamental. É uma emergência social e climática. No médio prazo terá que haver um plano para a economia gaúcha, mas não será fácil. O estado tem sido castigado sucessivamente.

— O estrago vai deixar uma marca importante. O que eu acho preocupante é o efeito de longo prazo. A economia gaúcha é madura, com um setor agropecuário de relevância, mas que tem enfrentado uma sequência longa de desastres. Há claramente uma destruição do equipamento físico muito relevante, uma perda de capital recorrente muito difícil de ser recomposta. Principalmente em uma área onde há tanta propriedade menor, e empreendimentos familiares — avalia o economista José Roberto Mendonça de Barros.

Na economia brasileira como um todo haverá uma perda de PIB, mas não forte, e um aumento de pelo menos 0,1 ponto percentual no IPCA com a queda da produção gaúcha. A ajuda ao Rio Grande do Sul que deve ocorrer e ser célere, mas não pode ser vista como uma porta para mais gastos em outras áreas ou outros estados.

A redução da queda dos juros foi um sinal ruim por dois motivos. Os juros de 10,5% são muito altos e a diretoria ficou dividida entre quem foi indicado por Bolsonaro, e quem foi escolhido pelo presidente Lula. Mas isso é apenas um ruído imediato, que pode ser superado. Resgatar os gaúchos dessa crise é problema mais grave, e que fica mais difícil diante de um Congresso insensível a todos os sinais do clima e incapaz de ouvir a ciência.